16 de nov. de 2009

O gatilho mais rápido do terceiro mundo

Essa história é antiga. Começa em um saloon não muito bem conhecido, mas bem frequentado. Um lugar para negócios escusos, onde as mesas estão sempre cheias de drinques e apostas, as mulheres amam o dinheiro e os homens tentam comprar apenas o que não podem ter. Ele fica na periferia de uma grande cidade, longe das delegacias e perto de rotas de fuga. Bem cuidado, mantém-se satisfatoriamente limpo e organizado. O dono, um ex-presidiário com uma cicatriz feia no rosto, sabe que para lidar com negócios sujos é preciso manter as aparências limpas.

Estranhos de terras distantes são bem recebidos, desde que tenham os bolsos abastados. Através de boatos, a fama que o saloon tem de atrair homens com todo tipo de informação, algumas confidenciais, alastrou-se Oeste afora. Oficialmente, vendem-se apenas bebidas ali. Mas, todos sabem, as conversas de bar giram em torno de assuntos que sequer deviam ser de domínio público. Especialmente daquele público.

Provavelmente foi isso que levou aquele grupo de magnatas ingleses à cidade. O tipo de praga que a corrida do ouro atrai, com suas promessas de riquezas infinitas. Não demorou muito para chegarem ao saloon e, após pagar algumas rodadas, já tiveram a curiosidade aguçada: um velho morador, com mais gosto por uísque do que por honestidade, começou a trovar sobre uma clássica história de tesouro escondido. Os bretões não perderam tempo e reuniram-se à mesa, ouvindo, anotando, reunindo indicações para um futuro literalmente brilhante.

"Fica em território indígena", rosnou um forasteiro quando o silêncio conseguiu um suspiro. Todos se voltaram pra ele. Chapéu cobrindo o rosto quase por completo. Roupas baratas. Aparência frágil. Longe de ser uma ameaça. Os ingleses se reuniram em volta dele. "Então acho que precisaremos ter uma conversinha com os índios, não é mesmo?". O copo à frente do forasteiro foi alvejado por uma bala, e gargalhadas ecoaram pelo saloon. Ele limitou-se a repetir a frase e saiu, sendo atingido por impropérios e ameaças. Lá dentro, a diversão foi intensa a noite toda.

No dia seguinte, os ingleses pegaram suas bagagens, suas conduções e saíram pra enfrentar a acidentada planície. Nem o sol escaldante aplacava a confiança deles. Bufões, arruaceiros, gritavam e celebravam cada pedaço percorrido, fazendo-se notar a quilômetros de distância. Com um arsenal composto dos melhores Colts e munição de sobra, acreditavam serem imbatíveis. De fato, os viajantes evitavam contrariar os bretões. Embora claramente com excesso de confiança, ainda possuíam armamento e conhecimento suficiente para assustar qualquer pessoa remotamente sã.

Por isso um deles mal viu a lança que raspou seu rosto e arrancou um naco da soberba que eles traziam. Rapidamente os ingleses desmontaram e organizaram-se em uma formação sólida, cobrindo todos os lados de onde poderiam ser atacados. Do outro lado, desorganizados, quase amadores, um grupo de índios tentava expulsar os invasores de suas terras sagradas. Não demorou muito até a disciplina britânica sobrepujar a força de vontade indígena. Após passar a vantagem do ataque surpresa, os peles-vermelha se encontravam agora acuados contra o rio onde banhavam seus filhos todos os dias. Algumas trincheiras naturais, resultados do terreno acidentado, algumas árvores e algumas rochas grandes eram tudo que protegiam os índios dos beijos salgados das balas. Os ingleses mantinham-se dentro de sua estrutura, firmes, e seus adversários não conseguiam encontrar nenhuma saída para superá-los. O que tinham em vontade, padeciam em criatividade.

Foi quando ele surgiu. O forasteiro do saloon. Antes que a caravana inglesa pudesse perceber, ele sacou duas armas e correu na direção deles. A rapidez e a agilidade do forasteiro impressionaram seus adversários, mas não foi apenas isso. Ele pisou nos lugares certos, percorreu os caminhos certos, deu exatamente o número de tiros necessários. Infiltrou-se no meio da caravana, movendo-se como um fantasma por entre os atiradores. Daquela figura solitária e frágil, surgiu um matador. Foi quando a disputa virou de lado. Pois o tal forasteiro estava sempre seis passos à frente dos bretões. E antes que pudesse realmente chegar a seu ápice, a batalha estava liquidada.

Rumores sobre aquela misteriosa figura que sempre vinha em socorro dos índios floresceram por toda parte. Alguns diziam que ele era como o vento, e vivia entre instantes de segundos. Outros, que era um pássaro veloz e zeloso protegendo seu território. Mas a descrença era forte, e os próprios índios acabaram por venerar mais alguns deuses ausentes do que seu verdadeiro salvador.

Atravessando as áridas planícies do Oeste, atrás dos meus próprios destinos, cruzei com um forasteiro misterioso. Seu chapéu cobria o rosto quase por completo. Suas roupas eram sujas e gastas. Tinha a aparência de um garoto frágil, como se nunca tivesse provado o gosto de uma mulher. Quando contei a ele sobre essas lendas, apenas riu. Um sorriso fácil, amistoso, como se viesse de um menino. Mas não foi uma risada de descrença, ou de ironia. Foi aquela risada de quem conhece a verdade e se espanta com os desdobramentos que ela pode ter.

Seu nome, ele me disse à época, era Nilmar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Minha caneta transparente estourando frases dentro da bolsa: foi um grande silêncio.

(lindo)

Eu mesmo disse...

Melhor comentário sobre Brasil e Inglaterra. Que David Coimbra que nada; Zero Hora está perdendo sem tu lá, cara.