Por Arnaldo Branco
O Henfil publicou um quadrinho na Placar durante Copa de 1970 estrelado por um torcedor chato que ficava berrando com os jogadores em todos os jogos. Sua queixa final: “levanta esse troféu direito, Carlos Alberto!”
Nelson Rodrigues também gostava de contar que um dos jornais da época chamou a festa popular pelo tricampeonato de “relativo carnaval”. Assim é o brasileiro, capaz de extrair a desejada derrota de qualquer vitória, não importa quão gloriosa.
Contrariando a expectativa geral, cito futebol aqui para falar de futebol mesmo, sou ainda mais limitado nas metáforas ludopédicas que o nosso presidente. Então: semana passada a conquista da Copa de 1994 fez quinze anos. Foi a senha para circular a versão revisionista que tenta reduzir aquela jornada épica a uma participação covarde e o título a uma tacinha de torneio colegial.
O Brasil passou por sete adversários: as seis seleções da tabela (jogou duas vezes com a Suécia, lembre-se) e a imprensa, que torceu contra abertamente. Uma campanha que tinha duas frentes de ressentimento: a do provincianismo paulista, que não admitia a reserva de Müller e a convocação de Branco e a dos herdeiros do Armando Nogueira, nostálgicos de um futebol-show que só tinha mesmo dado as caras (para apanhar) em uma Copa depois de 1970, a de 82.
Entre as bobagens perpetradas pelo primeiro grupo, o lobby pela entrada do Ronaldão na vaga do Leonardo, nosso lateral-esquerdo suspenso, e a insistência na escalação de nulidades como Palhinha e Viola. Do segundo grupo, basta dizer que ainda ironizam os poucos jornalistas que torceram a favor, dizendo que agiram por patriotada - como se a defesa de um “verdadeiro futebol brasileiro” também não fosse.
É essa mania de botar o modus brasilis em todos os aspectos da nossa vida social. Vivemos a fantasia de que há um jeito brasileiro de se fazer as coisas, um misto de capacidade de improvisação, esperteza e prestidigitação que supera qualquer esquema de organização gringo.
O pragmatismo de Parreira (a propósito, tenho sérias restrições), que supriu como pôde a entressafra de meio-campistas criativos, virou um crime de lesa-pátria para as viúvas do Garrincha ou sei lá que outro símbolo de um tempo em que o futebol não era praticado por velocistas com a explosão muscular de um boxeador.
Não seria tão ruim se essa mentalidade ficasse restrita ao futebol. Mas espraia-se por tudo; achamos que nossa primeiras idéias são geniais e basta, não gostamos de retrabalho. A pretensa criatividade natural do brasileiro é um mito que prejudica seriamente a criatividade em si.
E se você quer garantia de espetáculo, compre ingresso para os Harlem Globetrotters.
Retirado daqui.
O Henfil publicou um quadrinho na Placar durante Copa de 1970 estrelado por um torcedor chato que ficava berrando com os jogadores em todos os jogos. Sua queixa final: “levanta esse troféu direito, Carlos Alberto!”
Nelson Rodrigues também gostava de contar que um dos jornais da época chamou a festa popular pelo tricampeonato de “relativo carnaval”. Assim é o brasileiro, capaz de extrair a desejada derrota de qualquer vitória, não importa quão gloriosa.
Contrariando a expectativa geral, cito futebol aqui para falar de futebol mesmo, sou ainda mais limitado nas metáforas ludopédicas que o nosso presidente. Então: semana passada a conquista da Copa de 1994 fez quinze anos. Foi a senha para circular a versão revisionista que tenta reduzir aquela jornada épica a uma participação covarde e o título a uma tacinha de torneio colegial.
O Brasil passou por sete adversários: as seis seleções da tabela (jogou duas vezes com a Suécia, lembre-se) e a imprensa, que torceu contra abertamente. Uma campanha que tinha duas frentes de ressentimento: a do provincianismo paulista, que não admitia a reserva de Müller e a convocação de Branco e a dos herdeiros do Armando Nogueira, nostálgicos de um futebol-show que só tinha mesmo dado as caras (para apanhar) em uma Copa depois de 1970, a de 82.
Entre as bobagens perpetradas pelo primeiro grupo, o lobby pela entrada do Ronaldão na vaga do Leonardo, nosso lateral-esquerdo suspenso, e a insistência na escalação de nulidades como Palhinha e Viola. Do segundo grupo, basta dizer que ainda ironizam os poucos jornalistas que torceram a favor, dizendo que agiram por patriotada - como se a defesa de um “verdadeiro futebol brasileiro” também não fosse.
É essa mania de botar o modus brasilis em todos os aspectos da nossa vida social. Vivemos a fantasia de que há um jeito brasileiro de se fazer as coisas, um misto de capacidade de improvisação, esperteza e prestidigitação que supera qualquer esquema de organização gringo.
O pragmatismo de Parreira (a propósito, tenho sérias restrições), que supriu como pôde a entressafra de meio-campistas criativos, virou um crime de lesa-pátria para as viúvas do Garrincha ou sei lá que outro símbolo de um tempo em que o futebol não era praticado por velocistas com a explosão muscular de um boxeador.
Não seria tão ruim se essa mentalidade ficasse restrita ao futebol. Mas espraia-se por tudo; achamos que nossa primeiras idéias são geniais e basta, não gostamos de retrabalho. A pretensa criatividade natural do brasileiro é um mito que prejudica seriamente a criatividade em si.
E se você quer garantia de espetáculo, compre ingresso para os Harlem Globetrotters.
Retirado daqui.
3 comentários:
Texto perfeito.
E a Copa de 1994 é top 5 das melhores coisas que a humanidade já produziu.
Por melhor que sejam os jogadores, por mais emocionantes que sejam os jogos... Nenhuma Copa será como a de 1994.
Pois é quando se fala em futebol arte se esquecem completamente dos sistemas defencivos, parece que os zagueiros, laterais e volantes são meros pinos que tem que ficar parados tomarem dribles e serem mais desengonçados que um boneco de Olinda. Esse tempo já era!!! Os esquemas defencivos evoluiram e muito, assim como o condicionamento físico que começou a ser levado realmente a sério permitindo que o campo de futebol "diminuisse" Literalmente. Atacantes como Pelé, Garrincha e outros, na minha opnião só pareciam "gêniais" porque as defesas não eram pensadas e os jogadores não tinham a preparação que tem hoje. Para se ter uma idéia basta ver alguns vídeos de jogos antigos, inteiros, a defesa só se mexia quando o cara estava chegando na grande área, marcação simplesmente não existia, daí o porque de algumas pessoas com o senso de física corporal mais aguçado parecerem "incríveis".
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